[um ensaio de Pedro Maciel acerca do poeta surrealista brasileiro Roberto Piva]
Roberto Piva é um poeta dos anos malditos e desbundados. Segundo o poeta, “a minha vida & poesia tem sido uma permanente insurreição contra todas as Ordens. Sou uma sensibilidade antiautoritária atuante. Prisões, desemprego permanente, epifanias, estudo de línguas, LSD, cogumelos sagrados, embalos, jazz, rock, paixões, delírios & todos os boys”. Talvez ele seja o único poeta brasileiro verdadeiramente surrealista. O surrealismo proclamou a prevalência absoluta do sonho, do instinto e do desejo. Investiu contra os padrões estabelecidos, desprezando a lógica e renegando a ordem moral e social. O processo de criação dos surrealistas baseava-se no inconsciente como meio mágico para inspirar a imaginação criadora.
“Paranóia” foi comentado em 1965, na revista La Brèche, dirigida por André Breton, o maior pensador do surrealismo. Segundo a resenha, “Paranóia é o primeiro livro de poesia delirante publicado no Brasil” e ressalta as influências de Piva, como Lautréamount, Freud e “a mais moderna literatura beat norte-americana”. Eles ainda acrescentam que o livro transmite “a fascinação dos neons e a alucinação pela metrópole metálica que evocam as fotografias de São Paulo inseridas no seu livro”. Com a publicação do livro, Piva também foi incluído no “Dictionnaire Générale du Surréalism”, de Adam Biro e René Passeron.
Roberto Piva é um poeta trágico; vive à beira do abismo. Pode-se dizer que ele é um poeta “marginal”. “Seja marginal, seja herói”, proclamava Hélio Oiticica. Piva levou essa sentença ao pé da letra: “eu preciso esquecer que eu existo”. Ele cai na vida pra criar poesia. Os intertextos poéticos falam das putas, dos cafajestes, da vida mundana e existencial: “no exílio eu padeço angústia os muros invadem minha memória / atirada no Abismo e meus olhos meus manuscritos meus amores / pulam no Caos”.
O texto de Piva é um nó na garganta, quase nos tira a respiração. É uma piração total. Seus versos vorazes transmitem o desespero de uma existência tumultuada. Ele trilhou as ruas e becos mais sujos da cidade de São Paulo para escrever “Paranóia”: “Meus pés sonham suspensos no Abismo...” O poeta faz da “anarquia um método & modo de vida” para descer aos subterrâneos do inferno. Traz o céu assombrado para iluminar a terra: “Eu vi os anjos de Sodoma escalando / um monte até o céu / E suas asas destruídas pelo fogo / abanavam o ar da tarde (...) Eu vi os anjos de Sodoma lambendo / as feridas dos que morreram sem / alarde, dos suplicantes, dos suicidas / e dos jovens mortos (...) Eu vi os anjos de Sodoma inventando a / loucura e o arrependimento de Deus”.
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