foi no dia 31 de dezembro de 1961 que te compreendi Jorge de Lima
enquanto eu caminhava pelas praças agitadas pela melancolia presente
na minha memória devorada pelo azul
eu soube decifrar os teus jogos noturnos
indisfarçável entre as flores
uníssonos em tua cabeça de prata e plantas ampliadas
como teus olhos crescem na paisagem Jorge de Lima e como tua boca
palpita nos bulevares oxidados pela névoa
uma constelação de cinza esboroa-se na contemplação inconsútil
de tua túnica
e um milhão de vagalumes trazendo estranhas tatuagens no ventre
se despedaçam contra os ninhos da Eternidade
é neste momento de fermento e agonia que te invoco grande alucinado
querido e estranho professor do Caos sabendo que teu nome deve
estar como uma talismã nos lábios de todos os meninos
[Jorge de Lima, panfletário do Caos; Paranóia (1963), de Roberto Piva]
Nos gramados regulares do parque Ibirapuera
Um anjo da Solidão pousa indeciso sobre meus ombros
A noite traz a lua cheia e teus poemas, Mário de Andrade, regam minha
imaginação
Para além do parque teu retrato em meu quarto sorri
para a banalidade dos móveis
Teus versos rebentam na noite como um potente batuque
fermentado na rua Lopes Chaves
Por detrás de cada pedra
Por detrás de cada homem
Por detrás de cada sombra
O vento traz-me o teu rosto
Que novo pensamento, que sonho sai de tua fronte noturna?
É noite. E tudo é noite.
É noite nos pára-lamas dos carros
É noite nas pedras
É noite nos teus poemas, Mário!
Onde anda agora a tua voz?
Onde exercitas os músculos da tua alma, agora?
Aviões iluminados dividem a noite em dois pedaços
Eu apalpo teu livro onde as estrelas se refletem
como numa lagoa
É impossível que não haja nenhum poema teu
escondido e adormecido no fundo deste parque
Olho para os adolescentes que enchem o gramado
de bicicletas e risos
Eu te imagino perguntando a eles:
onde fica o pavilhão da Bahia?
qual é o preço do amendoim?
é você meu girassol?
A noite é interminável e os barcos de aluguel
fundem-se no olhar tranqüilo dos peixes
Agora, Mário, enquanto os anjos adormecem devo
seguir contigo de mãos dadas noite adiante
Não só o desespero estrangula nossa impaciência
Também nossos passos embebem as noite de calafrios
Não pares nunca meu querido capitão-loucura
Quero que a Paulicéia voe por cima das árvores
suspensa em teu ritmo
[No Parque Ibirapuera, Paranóia (1963), de Roberto Piva]
4 comentários:
...È você meu girassol?
Soberba poesia. O mundo deveria ter mais poetas, como seria fácil viver!
marthacorreaonlie.blogspot.com
Duas personalidades muito bem destacados nos poemas. Gostei :) *
Dois eus que se sobrepõem?
"...é você meu girassol?
A noite é interminável
e os barcos de aluguel
fundem-se no olhar tranqüilo
dos peixes..."
Grata pela partilha
;)
Fantástica poesia.
Enviar um comentário