Entre as virilhas do fogo nasceu uma bolha verde
De um púbis branco surgiu uma palma leve
De um seio azul irrompeu uma asa azul
Era um nome ou um pulso entre lábio e lua
Se alguém o visse vê-lo-ia num vislumbre
como uma gota de mercúrio como uma pálpebra cintilante
O ouvido da terra era um búzio vermelho
Que imaginava a maresia de um mar inexistente
O silêncio estremecia como um navio de sombra
Não havia ainda jardins mas as narinas da terra
aspiravam o aroma futuro de uma rosa de pólen
As pedras desejavam os leves anéis de um frémito redondo
O gérmen da luz sonhava com uma cobra de cristal
O esplendor negro dos grandes subterrâneos
fluía incessante sem repousar num delta
Aquela bolha ou palma aquela asa azul
aquele nome ou pulso entre lábio e lua
era o elemento simples e misteriosamente puro
que seria transparência mágica de uma pálpebra
a que o homem deu um nome de mulher
tão nu e tão claro
como o seu corpo evidente e enigmático
um nome que se bebe
como uma folha e como um lábio
o nome de água
da água
António Ramos Rosa (Faro, 17 de Outubro de 1924) é unanimemente reconhecido como sendo um dos melhores poetas portugueses de sempre.
6 comentários:
sem palavras :-)
abraços fraternos
"Unanimemente" é um advérbio perigoso.
Pedindo antecipadas desculpas pela “invasão” e alguma usurpação de espaço, gostaríamos de deixar o convite para uma visita a este Espaço que irá agitar as águas da Passividade Portuguesa...suqrvz
Gosto muito de António ramos Rosa,
Deixo um dos meus preferidos,
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
não posso adiar o coração
antónio ramos rosa
(lido in “poemas da minha vida” de Maria Alzira Seixo)
"O ouvido da terra era um búzio vermelho
Que imaginava a maresia de um mar inexistente".
Ramos Rosa é um poeta que eu amo.
Um abraço.
Excelente escolha. Mesmo que seja um advérbio perigoso, "unanimemente" é-lhe de facto merecido!
Abraço.
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