Já que a vida do homem não é senão uma acção à distância,
Um pouco de espuma que brilha no interior de um vaso;
Já que as árvores não são senão móveis que se agitam:
Não são senão cadeiras e mesas em movimento perpétuo;
Já que nós próprios não somos mais que seres
(como o deus mesmo não é outra coisa que deus);
Já que não falamos para sermos escutados
Senão para que os demais falem
E o eco é anterior às vozes que o produzem;
Já que nem sequer temos o consolo de um caos
No jardim que boceja e que se enche de ar,
Um quebra-cabeças que é preciso resolver antes de morrer
Para depois poder ressuscitar tranquilamente
Quando se abusou da mulher;
Já que também existe um céu no inferno,
Deixai que também eu diga algumas coisas:
Eu quero fazer um ruído com os pés
E quero que a minha alma encontre o seu corpo.
in «Poemas Y Antipoemas» , tradução de Henrique Fialho(1954)
Nicanor Parra nasceu em San Fabián de Alico, localidade perto de Chillán, no sul do Chile, em 1914. Filho de um professor primário e de uma costureira, cresceu no seio de uma família de artistas, onde se destaca a cantora Violeta Parra. Nicanor estudou Matemática e Física no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile. Mais tarde, viverá nos Estados Unidos e em Inglaterra, onde se dedicará à Cosmologia na Universidade de Oxford. Grande parte da sua actividade profissional resume-se ao exercício da docência. Interessa-se pela poesia surrealista desde muito cedo, sendo posteriormente um leitor atento dos poetas anglófonos. Iniciou a sua carreira poética junto do grupo dos chamados «Poetas da claridade», advogando uma poesia ao alcance de todos, espontânea e inimiga do hermetismo. Publica a sua primeira obra, «Cancionero sin nombre», em 1937, obtendo o Prémio Municipal de Poesia. Mas a sua obra afirmar-se-á como uma das mais marcantes no contexto da poesia hispano-americana a partir de «Poemas y antipoemas» (1954), onde propõe uma “antipoesia” que resulta da fusão do chamado poema popular com a ironia, a força transgressora, o absurdo e o humor negro, a iconoclastia de um certo surrealismo, na sua raiz Dadá, mais “dessacralizador e corrosivo”.
2 comentários:
descobri agora o teu blogue.
faltava "a única real tradição viva..." para acordar as carapaças das refeições que se tomam de estômago vazio.
que viva o surrealismo e os surrealistas!! escultores das estradas nos botões do tempo!!!
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por ahora la cruz es un avión
una mujer con las piernas abiertas
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nicanor parra
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